quinta-feira, 11 de março de 2010

Mesecina


20 de Abril de 1992


“Falta cumprir o Sol.” – Foi o primeiro e o último objectivo que escrevi delicadamente no meu caderno vermelho de papel grosso, cheirava tão agradavelmente bem que conseguia reter a parte fragmentária do cheiro que fica no cérebro, durante largos e meticulosos segundos sem pensar na frase que acabara por, inconscientemente, me obrigar a executar.
Às vezes, comparo o meu nariz, e outros instrumentos corporais, a uma máquina fotográfica que rouba pedaços da natureza e transforma-a em informação um tanto bidimensional para eu, ser humano, fazer juízos de valor quanto à amabilidade da coisa.
Já lá vai quase uma gravidez de tristeza e, ainda sem ter parido algo que se notasse, algo que pudesse condicionar a minha vida toda, vou procurando viver cada dia sem grandes enjoos. O sangue do meu cálice não é divino e, por isso, devo procurar o astro rei sozinha. Se o meu filho não se virar contrariamente ao meu sentido de gravidade, se o meu corpo não preparar, passo por passo, todas as condições naturais de um parto, como conseguirei viver a um aborto?!
A lua há-de cumprir-se, um dia, e, sem que note, trará a morte do meu pior lado simétrico e o acasalamento só com uma das partes.


A hibridez termina às seis e quarenta e nove minutos da manhã.


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