domingo, 28 de fevereiro de 2010



Já não havia indícios de luz natural cá fora, apenas um conjunto de candeeiros de rua antigos iluminavam e, arduamente, aqueciam o frio que se tinha instalado. Era Inverno, Alice procurava desenfreadamente pelo seu telemóvel, como o fazia sempre que chegava a casa, na esperança de que alguma coisa, naquele aparelho insensível, indicasse com certeza o que poderia acontecer, assim que entrasse na porta velha de ferro. E, em silêncio permaneceu o instrumento tecnológico, sem nada que fosse importante de se mostrar, voltou para o seu sítio inicial. Com medo, Alice entrou em casa.
Esperava-lhe um ambiente falso, mas quente – “Vá lá que ao menos está quente cá dentro” – pensou. “Menos mau”, e continuou na sua forma desconfortável de todos os dias pousar a sua mochila e cumprimentar os seus pais. De facto, o seu irmão era a única pessoa com quem se sentia estranhamente confortável, dada a sua semelhança incandescente que ele tinha com o seu pai, mas este de forma muito mais infantil, era suportável. Sentava-se no quarto, na ânsia de possuir um pensamento diferente do que o que lhe era habitual apercebe-se de que não tem nada melhor para fazer, o prazer que sentia nas coisas tinha desaparecido. Nem mesmo tentar acções que lhe faziam feliz, lhe davam satisfação. Estava doente. Não obstante, prosseguiu no seu mar das coisas, afinal o pior já tinha passado e não queria voltar a pisar o caminho dos fracos.
Abriu o “Processo”, e, não lendo, imaginou a leitura à sua maneira:
Tio do josef k: Mas meu sobrinho, com um processo desses como podes reagir dessa forma??!

Josef K: De que outra forma poderia reagir, meu tio? Fui apanhado de surpresa, e, sabendo que nada tenho a ver com isto, continuo neste mar das coisas, rio-me para dentro, mas vou com eles, não me apetece reivindicar uma coisa com gente que não pensa como eu e que não vai lá por mais palavras que discutamos, de que me adianta? Eles têm mais poder do que nós. Vou esgotar-me?! Não, vou viver-me...para dentro, na minha própria liberdade.
Subitamente, Alice soltou um sorriso. Josef K. sabia exactamente o que ela pensava, ele compreendia-a.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

13 de Fevereiro de 1992

Alternava de forma aleatória os pés, como me fora ensinado em criança; respirava com dificuldade cada cheiro (mais pesados que os outros) sobre a brisa que dava chapadas frias nas caras pecadoras, fitava com desdenho cada imagem, sem as estar a ver na realidade, desfocava-as e dava-lhes movimento, o meu movimento. Era mais solene do que aquele que qualquer outro ser humano podia visualizar e, por isso, a qualquer outro não chamava a atenção.
Tropecei numa rocha mal colocada, corri um bocado com a ansiedade de acelerar o processo, rodei o meu corpo e foquei um banco castanho e triste, sozinho e anestesiado com o cheiro a urina que o ar trazia para perto dele. Sentei-me numa parte que considerei limpa, após vários segundos de análise, sosseguei-me e parti. De repente, fiquei petrificada, apenas o corpo não se mexia, porque o resto estava completamente ligado, deslocadamente do mundo.
Sorri ironicamente, pois estava a ter um prazer que mais ninguém conseguia ver. Via imensas pessoas que conhecia correrem a alta velocidade, na minha direcção, a rasgarem-me a carne (que não me doía) e a entrarem-me dentro. Senti a força de cada uma delas e, mesmo assim, sentia-me fraca. Nada resolvia esta minha loucura consciente, nada parecia conseguir libertar-me dos momentos que pareciam eternos, vividos a dois, comigo.
A mesma não vontade de aqui estar persegue-me desde o belo dia em que nasci. Tecnicamente, esse dia ainda não chegou, pois faltam precisamente dois meses e oito dias, para que me obrigassem a vir. Com ventosas coladas ao meu cérebro; puxar-me-iam, até que conseguissem arrancar-me do ventre da minha mãe. Talvez, tenham tirado a pessoa errada, ou, então, algo de mim ficou lá e não veio.
Acendi uma vela e apaguei as luzes, sentei-me perto dela, não muito para que o ar que expiro não a matasse, contei-lhe um segredo a uma certa distância, fechei os olhos e, mesmo assim, o calor continuava igualmente excitante. O fogo não discriminava os meus assuntos mais profundos, nem me envergonhava perante uma existência vergonhosa e hostil.
Nunca soube escrever sobre isto, sobre o que vou dizer a seguir: Tenho saudades de o ter comigo. Vou aprendendo a viver desta maneira, com alguma aversão a respirar e a realizar cada ponto da minha desmazelada rotina, vou acendendo de vez em quando uma vela para me lembrar de alguém sem problemas em estar comigo, a três. Vejo-a apagar, vejo o seu fumo a ir embora e lembro-me de gozarmos com os sinais de fumo, quando queríamos comunicar. Vou pondo no meu presente, o passado e, não gozando o futuro, vou fazendo da história um tempo morto…