quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Is this desire - Pj Harvey









Ele disse que não estava assustado, quando sabia exactamente que o sentia, mentia para realçar a sua verdadeira natureza, - de facto, ele era demasiado fraco para o afirmar directamente e, como todos os homens, procurava uma maneira mais subtil de o fazer, uma em que só se pudesse sugar a verdade em retrospectiva, da mesma forma como só se pode sentir alguma felicidade: a primeira fica no momento, depois evapora-se; a segunda transforma-se numa sensação e a terceira é criada noutro formato para depois ser recordada.
O sol estava a pôr-se e Joseph descia a montanha com Dawn e, à medida que desciam, o dia entregava-se à noite, saía do trabalho para oferecer dignamente o horário à outra, enquanto estes dois escalavam a montanha ao contrário. Tudo parecia ter sido ensaiado antes, e, sem nunca o terem feito antes, desciam e desciam cada vez mais; Dawn não queria, como todas as mulheres não querem, Joseph sorriu-lhe um sorriso de segunda-feira de manhã, pronunciou-lhe o som do silêncio ao ouvido – chhhh, acalmou-a, distraindo-a com o som, agarrou-lhe nas pernas e continuou a descer.
Dawn questionava-se diariamente sobre o desejo, embora aos domingos à noite fosse de forma mais intensa, e de menor intensidade quando estava com Joseph, Dawn procurava saber a quantidade da palavra existente, e aquela que ambos conseguiam atingir. Ela perguntava-se sobre a montanha, sobre a temperatura do dia e da verdade acerca do olhar misterioso de Joseph. Dawn sabia que enquanto o sol se vestisse, nada de errado aconteceria e o desejo ainda poderia subir mais alto, o pior, pensava ela, era quando o dia chegava à noite e ficava frio, como conseguiria ela saber se poderiam descer mais alto?
Joseph já sabia da verdade acerca do outro, que passa pela verdade de nós mesmos, e pelo facto de nunca revelarmos ao outro, aquele que conversa dentro de nós. Ele sabia que a intimidade não subiria mais alto, enquanto não revelasse a Dawn os seus queridos e inócuos monólogos. Pena que Dawn ainda se pergunte se é possível descer mais terreno, quando para Joseph, uma vez ambos no mesmo sítio, a montanha já acabou. Enquanto este se questionava sobre a beleza da sua descida, Dawn desacreditada em qualquer tipo de beleza que fosse sua, tremia com o frio que a noite deixava.
Um pequeno peixe perfurava-lhe o corpo, Dawn sentia um frio diferente, até porque sabia não ter precavido qualquer tipo de temperatura, fechou os olhos e sorriu. O maior desejo tinha-o ela sentido sozinha. Um filho nos braços meses depois, um filho nos braços anos depois, um filho nos braços séculos depois. Joseph não ficou mais do que dois dias. Tanto tempo depois, apenas uma parte de Joseph sobrevivia no mundo exterior, ainda que muito diferente da que se alimentava de Dawn.
Dawn caminhava sozinha sobre a montanha, as vezes já eram muitas, já não escalava, já não fazia perguntas, já não se assustava. O sol também já não se vestia para a floresta, e ela já não queria saber do frio, nem do calor, nem de Joseph.















(Texto baseado na canção Is this Desire de PJ Harvey)