sábado, 7 de novembro de 2009

15. Casa


No fundo, bem lá no fosso, somos todos coveiros. Cavamos com a nossa inchada, a consciência, o buraco e a vida define o tamanho. Não está nas nossas frágeis mãos de seres humanos efémeros decidirmos o sítio no qual nos iremos sepultar, nem quantas vezes gostaríamos de remodelar esse buraco. (Fez-se luz!) Descobri, neste preciso momento, por que raio nos encontramos todos numa esfera azul, qual vida, qual coisa maravilhosa, qual nada! ... O Homem está no mundo para se enterrar. O azul é a cor que se mistura com o sangue que se decompõe e cria o roxo, a cor da tristeza, da penumbra, do pecado. O céu é azul e, nas nossas vidas, só falta o ouro para completar a famosa expressão. Ao visitarmos o nosso último apartamento, as nossas esferas oculares cegarão de tão azul ter aquele azul do céu, que é tão meu, tão nosso. Ai, meu amor, poderíamos morrer já e terminar com tudo isto. Não havia "para sempre" que nos separasse; de missão cumprida, juntaríamos os pés, determinados e viajaríamos até ao infinito. Sem família, sem responsabilidades. Não há trabalho, nem missões. Inseguranças e incertezas...quem ouvira falar nelas? Decisões?! Oh meu amor, também não as tinhas de tomar. Vês? A tua melhor vida seria a tua morte. Breve, bela conclusão de quem é ilícito neste mundo, sem o ser por culpa de alguém...(quanto a isto, há poucas certezas).
O riacho da casa é vergonhoso. Embora seja de maior fluxo uma vez por mês, e há quem diga que nunca engravida. E o revólver com limão?! Deveria estar no balcão sujo da cozinha.
Fechei a janela que dava para o jardim. A natureza é tão bela porque não se lembra de nada. Para ela tudo é efémero, menos ela. A pistola dispara todos os dias balas de brincar à cabeça dos mortais. Para todos os dias, um homício. Quem o diria?! E, para quem não se conhece e se dispara, também não é suicídio; afinal de contas quem sabe não terá sido o Manel?!
Fechei os olhos, segui o pesadelo. Era sempre o mesmo. Nunca partiu, nunca ousou ir-se embora. "O resto é morrer!"