segunda-feira, 23 de novembro de 2009

5 de Dezembro de 1993


Não consigo escrever sobre este dia; na realidade este dia é o dia de hoje que será tão forçosamente esquecido como um recalcamento da mente. Estes últimos dias, são meses que não quero lembrar, e desta ansiedade surge a revolta e todas as explicações que o julgamento final precisa para arquivar o processo. Lembro-me mais uma vez de como tudo aconteceu e fico petrificada, novamente. São estes ataques de pânico, tão leves como um canivete suíço, que teimam em aparecer quando menos desejo. A minha descendência animal levou-me, por segundos, a um mundo que quero visitar mais vezes. Só tu me conseguias teletransportar para lá. Era como se me conseguisse ver, e sem importar o que era naquele segundo, eu era (porque agora já sou eu dentro de mim, ipso facto, julgo-me) um ser que de fora tudo via e tudo sentia. O silêncio tacteou-me o olhar, vi o som do mundo exterior ser substituída pelo meu batimento cardíaco, que não era meu, era da rapariga que estava à minha frente, do ser que só em espelhos vi reflectido e do qual a sua sombra é a única prova de que existe, existo. O prazer infinito de me ver fora de mim, como se cada batimento me aproximasse de ti, porque, e, mesmo fora de mim, sentia que a única pessoa com quem queria praticar esta acção que fazia desabrochar o instinto animal que há dentro de mim, eras tu, era imenso, era-se-me tão gigantesco quanto os deuses conseguem, todos juntos, algum dia suportar. Sentia-me una e completa, aliás, não me lembro de sentir outra coisa senão prazer. Preciso de um eufemismo.
Sinto-me desalojada, completamente fora das minhas formas femininas. Estou desajustada ao que sou, ao que desejo, porque tudo o que vejo me fora tirado, como quem rouba um pobre trabalhador. Não posso ser nada, não posso querer ser nada, nunca vou ser nada.
Compreende por favor, que tudo o que me tornei é porque não te posso ter. É raiva. É uma cápsula.