
"O que tu foste, só tu o sabes: uma corajosa rapariga sempre sincera para consigo mesma."
Entrei no meu quarto de roupão. A minha pele secava-se ao som dos meus pensamentos que pronunciava silenciosamente ao mundo exterior, tão altivos dentro de mim. Detesto quando eles se sobressaem assim tanto; quando temos tanta coisa a encher-nos e não conseguimos ver nada nítido. É uma mistura de vozes, de frases e de sentidos. Qualquer coisa que devia ser excitante, mas não o é, definitivamente. Estes monólogos só servem para me aterrorizar. Nessas alturas percebo o medo que há em mim, e assusto-me. "A existência… bem o que importa? Eu existo da melhor forma possível. O passado, agora, faz parte do meu futuro a presente está fora do controlo. “ Está tudo fora do controlo. A solidão apegava-se a mim, como a roupa seca que vesti depois, ainda com o corpo húmido. É tão só, mas tão só que consigo ouvir o seu eco algures. Talvez, deveria ter posto um pouco de creme no corpo, mas este repugna-me tanto que mal consigo expressá-lo. Tenho vergonha de mim, de tudo o que sou, que sou mais o que recebi dos outros do que de mim tenho; das minhas acções, tanto físicas como mentais. “Mas deixai-me partir depressa, para que nada vos tire!”.
Já tirei mais do que aquilo que recebi, porque tenho em mim muito mais do que recebi do que sou. Sou como uma máquina, que tudo transforma. Transformo tudo em medo, e o que já o é, numa coisa maior. E vão todos, pedaço por pedaço, desembocar num mar, pai de todos eles. Tentar mostrar um fragmento dele, é impedir que o curso do rio se faça de acordo com a lei da Natureza, é desvirginá-la. Mesmo assim, tento-o incessantemente até que alguém, importante para mim, perceba que não consigo viver mais com ele e não sou ninguém sem ele. Outro medo nasce e o ciclo recomeça. Podem existir coisas que o façam parar, mas todas elas foram inventadas pelo Homem, e, por isso, são tão imperfeitas quanto eu.
O corpo ainda está húmido, e o tempo parado. Vesti-me de preto, porque é assim que me gosto de vestir. O rio continuou. A abstracção de coisas supérfluas é o nascimento de o primeiro sintoma de felicidade, a mais pequena delas todas, aquela que é tão pequena que a mente não tem percepção dela, pois só está preocupada com o tempo. Há uma estagnação, ainda que distraidamente minúscula, efémera, nunca se sente na altura, e quando se sente já é tarde de mais. O presente está fora do controlo.