quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Existence? 1934



À minha querida inócua existência:

Espero que consigas dormir confortavelmente durante a noite, porque é na noite que não existo e que te rogo pragas por existires. Espero, também, que a tua inofensiva consciência te pese tanto, que te faça destituir do cargo; pois, confesso-te, como nunca antes o tinha feito, que tu és uma idiota. De facto, tu nem sequer existes, eu é que existo, da melhor forma que consigo e tu, nem da melhor, nem da pior. És hipócrita e vanglorias-te perante todas as inexistências materiais como sendo aquela que vive, que toca e que respira. Não obstante, sou quem não toca e já não consegue respirar mais. Pára de olhar para os outros, ou melhor para a existência dos outros, e vê, como nunca antes viste, a louca na qual me tornaste. E, no final de contas, conseguirás adormecer no leito da tua cama luxuosa de veludo em direcção à eternidade; e sou eu quem não consegue dormir à noite! E sou eu, quem tem de pagar se quiser ter direito ao pano vermelho, macio… Sou eu quem não mente, ao contrário de ti. Fazes-me escrever uma carta dirigida a uma entidade que não existe, chamada existência, na loucura dos teus trabalhosos dias, para que me perca nos enleios do pecado e diga o que penso em cada momento. Mas este momento em que escrevo, é um entre muitos dos que me deste e outros que virão inevitavelmente. Eu existo e, existindo, não posso fugir da loucura que me devora ao passo do medo que cresce. Tenho vergonha de mim, por tua culpa. E, por tua culpa, escrevo todas as razões das minhas culpas, a minha existência.
Tu existes, apenas porque tens de existir. Um dia convidaram-te e um dia ficaste para outro dia voltares num outro contrato. És eterna e eu não. Eu sofro e tu não (afinal de contas, sempre há um “não” na tua vida).


Da tua querida amiga que sempre te acompanhará:
(qualquer coisa)